quarta-feira, 22 de setembro de 2010

3,2,1..

Março de 2007

Autólise é uma obra em dança que utiliza como concepção estética o fazer em cena . O espetáculo se desenvolve como uma atitude de construção que implica ação do performador e espaço, ambiente onde a dramaturgia corporal se desenrolará. Uma concepção que questiona a idéia de “espetáculo”, em que o foco principal está naquilo que é realmente necessário para que a cena aconteça com o mínimo de recurso possível. Autólise é dança performativa, interroga e lança tensões acerca da concepção de si própria, enquanto obra de dança, e das corporalidades construídas ao longo do seu acontecer pelo performador, desenvolvendo o seu próprio modo de se fazer em tempo real.
Na biologia, autólise, trata-se do efeito de destruição da célula por suas próprias enzimas, as organelas do sistema que se responsabilizam pela quebra de micro-estruturas externas que geram um processo de auto-ingestão, de auto-consumo. Esta idéia é utilizada como metáfora do consumo do próprio corpo, maceração da própria imagem.
                                                              FOTO: Aldren Lincoln
Ao transpor essas idéias para a obra, pretende-se lidar com a crítica acerca da massificação/alienação do sujeito/corpo político, questionando e repensando olhares - modos de ver (John Berger/1999) - e observando as individualidades, entendendo que estas afetam e são afetadas pelo ambiente (natureza e cultura) – a singularidade em sua complexidade coletiva. Nesta coletividade, a massificação encontrada na cultura midiática propõe idéias de “corpo-vitrine”. Mas o que está/é vitrinizado e o que consumimos senão nós mesmos?
Autólise busca sublinhar estas questões, construindo um ambiente suspenso, no qual todos são convidados a participar. Para tanto, os espectadores/fruidores, se vêem em cheque, pois os lugares supostamente definidos de passividade e atividade, de contemplação e atitude, assujeitamento e escolha vão aos poucos denunciando uma inquietante ambivalência.
As ações desenvolvidas pelo performador ao longo do tempo conduzem a mudanças de estados corporais que transformam o ambiente, compreendido da relação do artista, dos fruidores e do espaço, possibilitando a emergência de um desconforto que gera questionamentos, odores, familiaridades, náuseas, idéias e fisicalidades. Desta forma, a cena mastiga pouco a pouco padrões estéticos, promovendo o processo de desestabilização das expectativas, onde cada fruidor vê-se integrante da obra e levado a testar seus próprios limites.
 Busca-se, em Autólise, simultaneidade de invenção e enunciado na obra, produzindo corporalidades específicas que transitem dialogicamente entre o “corpo-vitrine” e o “corpo-biológico” (natureza e cultura).

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